quinta-feira, 7 de julho de 2011

O “pessimismo” chileno e o “otimismo” brasileiro

6 de julho de 2011

O “pessimismo” chileno e o “otimismo” brasileiro
A editora da revista Veja, Malu Gaspar, foi ao Chile em março conhecer a educação daquele país e buscar compreender o sucesso de suas reformas educacionais. Ela escreveu um longo artigo sobre a educação no Chile, comentado neste blog.
O fato de uma repórter da maior revista do Brasil ter ido ao Chile buscar inspiração para o nosso sistema educacional chamou a atenção dos meios de comunicação chilenos. A última edição da revista semanal Qué Pasa, a maior do país, traz um artigo da editora a respeito de sua viagem. Os chilenos estavam interessados em saber o que nós brasileiros vemos no Chile. O artigo de Malu, bem como a reação dos chilenos ao sucesso, é o retrato de como uma cultura que não se contenta com pouco tem ajudado o país a melhorar de maneira consistente no quesito educação. Se hoje os estudantes universitários chilenos se mobilizam de maneira massiva é porque a maioria dos jovens chilenos já alcança este nível de ensino no país, e sua qualidade passa, então, a ser tema central da agenda nacional. Estamos muito longe disso, como mostra o artigo de Malu, que reproduzo em português abaixo.


O verdadeiro exemplo chileno


Malu Gaspar, editora da revista Veja, em artigo para a revista Qué Pasá: Diz o ditado que um copo pode estar meio cheio ou meio vazio — depende de quem o vê. A frase me pareceu especialmente adequada ao Chile, onde estive em março, produzindo uma reportagem para a revista VEJA sobre os avanços da educação no país. A ideia da matéria surgiu da divulgação, no final de 2010, dos resultados do Pisa, exame internacional realizado pela organização dos países desenvolvidos (OCDE) com jovens de 15 anos em 65 países. O Chile avançou 40 pontos na prova de habilidades de leitura desde a primeira avaliação, em 2000, e consolidou-se como o mais bem sucedido exemplo de transformação do ensino na América Latina. Em todo o mundo, apenas o Peru, que partiu de um patamar muito baixo, conseguiu tamanha evolução. No entanto, ao ler os jornais locais, eu tinha a impressão de haver desembarcado em um país em crise educacional. Teria eu sido enganada por uma análise excessivamente otimista, feita por gringos, ou os chilenos é que eram muito negativos? Nem uma coisa nem outra, concluí ao longo da visita.
Os brasileiros estamos acostumados a ver, mesmo em regiões ricas do país, salas de aula sem carteiras, tetos furados por goteiras, e a falta crônica de material escolar. O dinheiro destinado a suprir tais necessidades frequentemente vai para os bolsos de políticos corruptos, e é normal que as metas sejam esquecidas pelos gestores no momento seguinte ao seu estabelecimento. Professores faltam com frequência, e há graves problemas de disciplina. Quase 20% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola e 30% estão atrasados com relação à sua série. Menos de 20% chegam à faculdade. E, apesar da indignação de alguns setores da sociedade, educação não é assunto para manchete de jornal. No Chile, encontrei escolas com prédios em ordem, salas de aula limpas e organizadas, equipadas com computadores e projetores. Foi um contraste perceber que, ao contrário do que ocorre no Brasil, os professores são treinados para saber, aula a aula, os conteúdos a serem ensinados. E o mais importante: os docentes estão convencidos da importância da meritocracia para o avanço da qualidade do ensino — consenso que, no Brasil, ainda estamos muito longe de atingir. A diferença de nível educacional entre ricos e pobres vem diminuindo de forma acentuada, e 50% dos jovens chilenos chegam à universidade. Um observador brasileiro diria, portanto, que “copo” do Chile está meio cheio.
Isso não quer dizer que os chilenos estejam errados ao cobrar, por exemplo, que os professores saiam das faculdades mais bem preparados, ou que o ensino de inglês seja mais eficaz. Apesar do grande avanço obtido no Pisa, o país ocupa um modesto 44º lugar em um ranking de 65 posições, e tem um desempenho bem abaixo do razoável em ciências e matemáticas. A distância dos resultados obtidos pelos alunos chilenos para os estudantes de países desenvolvidos ainda é grande. Num mundo em que a competitividade de um país é cada vez mais determinada pela qualidade de seu capital humano, a insatisfação com os indicadores educacionais exibida pelos chilenos não é apenas legítima. É condição necessária para manter a qualidade da educação como item prioritário da agenda nacional. Tal cobrança foi capaz de sustentar, ao longo das ultimas duas décadas, um compromisso de todas as forças políticas nacionais em torno do tema. Do ponto de vista de alguém que vivencia um conformismo generalizado com a mediocridade e o uso rotineiro das verbas para a educação como moeda política, essa me pareceu uma conjuntura invejável. Por mais que ainda precise evoluir, a educação no Chile caminha na direção certa. Para os chilenos, quanto mais vazio parecer o copo, melhor.